Além do amanhã, o futuro imediato: a inadiável necessidade que exige um novo contrato social agora
Yuval Noah Harari, um dos pensadores contemporâneos mais provocadores, coloca uma questão desconfortável: o que faremos com os “inúteis” do futuro?
A ideia de “pessoas inúteis” é, evidentemente, perturbadora. No entanto, Harari não se refere à inutilidade intrínseca dos indivíduos, mas à forma como a sociedade os perceciona e integra. Num mundo onde a inteligência artificial e os algoritmos tomam decisões mais rápidas e eficientes do que os humanos, a capacidade de contribuição laboral da maioria das pessoas pode tornar-se obsoleta. Assim, surge a questão: se o trabalho já não é o eixo central da vida humana, o que dará significado à existência?
Harari sugere que o vazio existencial será preenchido por drogas e jogos eletrónicos, uma espécie de anestesia social para manter a população ocupada e submissa. O Japão, segundo ele, está 20 anos à frente nesse fenómeno, onde as relações humanas estão a ser substituídas por interações virtuais e o isolamento social é cada vez mais comum. Se olharmos para os números do isolamento social, do aumento da depressão e da ansiedade, percebemos que esta transformação já está em marcha, silenciosa, mas irreversível.
No entanto, a grande questão que poucos estão a ver é que esta não é apenas uma preocupação futurista. Já estamos a viver esse cenário. A geração mais jovem cresce num mundo onde os ecrãs substituem o contacto humano, os algoritmos moldam as suas preferências e a hiperconectividade digital leva à desconexão real. Cada vez mais, pessoas encontram significado em realidades simuladas, em vez de construí-lo no mundo tangível. O entretenimento massivo tornou-se uma das maiores indústrias do mundo, precisamente porque preenche um vazio emocional e existencial, criando a ilusão de propósito onde este já não existe.
O problema fundamental é que, ao contrário das revoluções industriais anteriores, esta mudança não vem acompanhada de uma nova promessa de empoderamento ou crescimento. No passado, quando as máquinas substituíram a força braçal, os trabalhadores foram requalificados para novas funções. Mas agora, as inteligências artificiais não apenas substituem o trabalho humano, mas também a criatividade, o pensamento crítico e até mesmo o papel social das pessoas. Como podemos encontrar um novo paradigma de existência quando as profissões criativas, outrora vistas como última fronteira da humanidade, também começam a ser replicadas por máquinas?
Outro ponto fundamental - também mencionado por Harari - e que muitas vezes passa despercebido é o aborrecimento. O ser humano moderno, privado de um papel social claro e de desafios concretos, enfrenta um vazio profundo que a sociedade parece incapaz de colmatar. O aborrecimento já não é apenas aquele momento ocasional de tédio, mas uma sensação persistente de falta de propósito. Num mundo onde o entretenimento está à distância de um clique, onde a estimulação constante impede a introspeção, desaprendemos a arte de estar sós com os nossos pensamentos. E quando o silêncio se torna insuportável, recorremos a distrações incessantes - redes sociais, videojogos, substâncias químicas - numa tentativa vã de preencher o vazio existencial que nos assombra.
Se não discutirmos agora o que significa ser humano numa sociedade onde a produtividade já não é um requisito, corremos o risco de acordar num mundo onde a existência é tida como irrelevante. O perigo não é apenas económico, mas existencial. O ser humano sempre precisou de um propósito para viver. Sem trabalho, sem grandes ideologias unificadoras e sem uma comunidade real onde se possa sentir integrado, o que resta?
A solução não está em evitar a tecnologia, mas em redefinir o valor da vida para além da contribuição económica. Precisamos urgentemente de um novo contrato social que priorize a realização humana, a criatividade e o bem-estar psicológico sobre o simples consumo e entretenimento alienante. Precisamos de uma educação que não ensine apenas competências técnicas, mas que ensine a pensar, a questionar, a encontrar sentido para além das métricas de produtividade.
O “dia depois de amanhã” não é um horizonte distante. Já começou. A pergunta é: estamos prontos para encarar a realidade ou preferimos “mergulhar de cabeça” na distração? Porque, meus caros, se não escolhermos um caminho agora, muito em breve já não teremos escolha.
Para o leitor, com estima:
“Escritos Secretos: Memória, Injustiça
e Redenção no Cinema”, de Jim Sheridan
Baseado no romance de Sebastian Barry, “Escritos Secretos” (2016) é um drama intenso que transporta o espetador entre o passado e o presente para revelar uma história de amor, opressão e resistência.
Com uma direção sensível de Jim Sheridan e atuações marcantes, emociona ao refletir sobre memória e identidade... No entanto, a narrativa, por vezes, perde-se no melodrama, diluindo parte de sua força crítica. Ainda assim, o filme destaca-se como uma obra envolvente que resgata vozes silenciadas e reforça o cinema como um espaço de questionamento e reflexão.
(Explorando o impacto do passado e a luta pela verdade, “Escritos Secretos” reafirma o poder do cinema em dar voz àqueles que a história tentou calar).