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(sobre)Viver com 5,5 euros para comer

Fevereiro 3, 2025 . 13:00
Andamos distraídos ou entretidos com malas “arrudadas” de aeroportos para S. Bento; com o “trucidar” de putativos a putativos candidatos presidenciais (acompanhados de hipotéticas sondagens); com “pens” misteriosamente descobertas em catacumbas dos gabinetes do Parlamento (coincidentemente divulgadas no preciso momento da excelente entrevista de António Costa sobre política europeia e o estado de alma do mundo); entre incoerências ideológicas partidárias de despedimentos laborais; ou as perceções de falta de segurança de um autarca manifestamente inseguro na sua governação local (mesmo com os números à frente do nariz).

Enquanto isso, o país e o portugueses vão-se esquecendo dos problemas no SNS, na saúde, nas urgências encerradas; na promiscuidade público-privada em relação ao dinheiro das reformas dos portugueses; na educação, nos alunos sem professores em plena segunda metade do ano letivo, no descongelamento das propinas ou do novo Regime Jurídico do Ensino Superior; na crise da habitação que não dá sinais de recuar, antes pelo contrário; nas duas demissões na estrutura governativa (secretário de Estado das Autarquias Locais, no âmbito da polémica e desaconselhada Lei dos Solos, e o secretário-geral do MAI, no seguimento do caso do “assalto” às instalações, em agosto de 2024); no aumento dos preços e do nível de vida; na economia que dá sinais de abrandamento e estagnação (sobre o regozijo governamental do crescimento, de 1,9%, do PIB, acima dos perspetivado, mais 0,1% do que estimado, importa recordar que o valor de 2022 foi de 6,7% e em 2023 de 2,3%); no preocupante desperdício de mais de 16 mil milhões de euros de uma irrepetível oportunidade de desenvolvimento do país, que a anunciada reprogramação do PRR não disfarça, com recuo nos investimentos em infraestruturas, mobilidade ou, até, na habitação (para muita dor de cabeça de muitos autarcas); na dificuldade de incrementar e fomentar uma melhor coesão social, inclusão e integração.

Enquanto isso, o país passa à margem, com uma significativa apatia da comunicação social, da realidade da condição e qualidade de vida dos portugueses.

A divulgação, nesta sexta-feira, do relatório intercalar “Portugal, Balanço Social 2024”, elaborado por académicos da Nova SBE (Nova School of Business & Economics), confirma esta realidade: em 2022, a taxa de risco de pobreza absoluta variou entre 8,5% e 12,6%, conforme o método de análise utilizado com base nos rendimentos familiares necessários para «garantir o acesso a um conjunto de bens e serviços considerados necessários».

Os valores apresentados, abaixo do referencial do limiar da pobreza (16,4% em 2022), ao contrário das perceções de alguns quanto aos números estatísticos (seja na pobreza, seja na segurança), colocam-nos perante uma realidade social que nos deve preocupar (mesmo que esta tenha vindo a diminuir): 1,3 milhões de portugueses não possuem recursos para pagar uma dieta adequada. Sendo que, por “dieta adequa­da”, entende-se uma despesa em alimentação de 5,5 euros/dia. O estudo adianta ainda que os desempregados, as crianças, os estrangeiros, os idosos e as famílias numerosas (uma em cada três) são os grupos mais afetados e os mais vulneráveis à pobreza.

Considerando as despesas de um agregado familiar, o inquérito IDEF de 2022 revela que habitação, água e energia (39,3%) e a alimentação (21,5%), às quais podemos somar os 3,8% em saúde, consomem quase 65% do rendimento mensal das famílias.

Mas há, a reforçar este contexto, um outro número que merece reflexão: cerca de 900 mil trabalhadores (8,9% da população portuguesa), que auferem um rendimento mensal, encontram-se em situação de pobreza absoluta, muitos deles sem recursos para se poderem abrigar debaixo de um teto (13 mil pessoas viviam em situação de sem-abrigo, em 2023).

Não há dignidade na pobreza. Não há qualquer dignidade no esforço de sobrevivência de mais de 1,3 milhões de portugueses. Não há coesão social que promova a paz social, o desenvolvimento das comunidades e do país, e o fortalecimento da democracia quando há mais de 1,3 milhões de portugueses que não têm 5,5 euros, por dia, para comer.
Mas vamos cantando e rindo…

Fevereiro 3, 2025 . 13:00

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