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A época da lampreia

Fevereiro 2, 2025 . 14:00
Inicia-se em janeiro e decorre até maio a época em que os apreciadores de lampreia podem saborear uma iguaria muito apreciada. Por estes dias, e nas próximas semanas, é a lampreia que mais cai nas redes dos pescadores de alguns rios.

Estes peixes, com a boca transformada numa ventosa circular, têm o corpo serpentiforme com 70 a 95 centímetros de comprimento. Após a desova ocorrida junto à nascente de alguns rios e da eclosão dos pequenos ovos, nascem pequenas larvas que crescem durante algum tempo antes de se aventurarem no mar onde vivem alguns anos como autênticos vampiros, nutrindo-se em grande parte do sangue da fauna marítima. Esta alimentação é, na realidade, a origem dos procurados sabores deste singular e exótico peixe que acaba retornando aos rios de origem, subindo o seu curso para se reproduzir e fazer a desova nos recantos dos riachos e ribeiros. A construção de barragens nos rios veio complicar a vida das lampreias, apesar da construção de canais ao lado das barragens por onde algumas conseguem subir.
A dificuldade que as lampreias passaram a ter para encontrarem os seus locais preferidos para a desova veio, naturalmente, a repercutir-se na sua abundância, gerando lamentosas queixas junto dos pescadores e dos apreciadores dos seus sabores. No entanto, em tempos mais recentes, e segundo informações obtidas em conversas com pescadores e vendedores de lampreia, parece existir um aumento no comprimento e no peso das lampreias motivado pelos curtos percursos que podem percorrer nos rios devido aos obstáculos das barragens. Não quero deixar de referir um antagónico sentimento de amor e ódio para com a lampreia, onde os apaixonados consumidores da gulodice se confrontam com os adversários que repugnam tal peixe por o associarem a um réptil diabólico capaz de corromper Adão com a insinuante Eva.
Como alimento, a lampreia é conhecida há muito tempo, provavelmente desde a época dos romanos. As lendas contam-nos que os duques de Borgonha, pais do primeiro rei de Portugal, D. Afonso Henriques, terão sido grandes apreciadores de lampreia e cabe-me aqui enaltecer o meu orgulho ao recordar que D. Afonso Henriques foi casado com D. Mafalda da Casa de Sabóia, tendo sido a primeira rainha de Portugal e originária da minha Itália.
Outras versões históricas afirmam terem sido as invasões napoleónicas que introduziram a lampreia à bordalesa em Portugal. Seja como for, nas minhas pesquisas, não consegui esclarecimento deste mistério, pelo que vamos esquecer a história e dar conta da sorte da infeliz e sacrificada lampreia, batizada de bordalesa. O refinamento deste pitéu exige um vinho tinto, onde um velho Bairrada Baga ficaria muito bem. As tipicidades dos vinhos portugueses são magníficas e com a lampreia realça as sensações gustativas e aromáticas, anima os refinamentos elegantes, acalma os frenesis dos entusiasmos e desenvolve os prazeres e as suculências nos almoços ou jantares. A duração do envelhecimento dos vinhos depende da qualidade da casta, das caraterísticas dos terrenos e do percurso na maturação prolongada ou menos prolongada. O bom trabalho do enólogo faz o resto.
No fim de uma refeição de lampreia espera-se que as volúpias se animem em eufóricas alegrias com os prazeres epicuristas. A lampreia confere equilíbrios aos espíritos, favorece os apaziguamentos e anima os consentimentos elegantes na arte de viver. As atenções epicuristas são muito dedicadas a este vampiro dos rios e do mar e resta dizer que foi o cientista sueco Carl Linnaeus que, no século XVIII, batizou de “Petromyzom Marinus” a nossa conhecida lampreia.

Fevereiro 2, 2025 . 14:00

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