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Escândalo: José Sócrates só vai a julgamento por branqueamento e falsificação


Sábado, 10 de Abril de 2021

Dos 189 crimes que constavam na acusação o juiz Ivo Rosa entende que só 17 vão a julgamento, distribuídos por cinco dos 28 arguidos

Eram muitos os que viam no modo como o juiz Ivo Rosa interpreta a lei uma tábua de salvação para José Sócrates e a decisão instrutória da Operação Marquês confirmou que essas suspeitas tinham fundamento. O juiz de instrução criminal de Lisboa considerou prescritos parte dos crimes de corrupção apontados a José Sócrates, anulou a parte das escutas que vinham do processo Face Oculta e não encontrou fundamento em boa parte da tese do Ministério Público. Ivo Rosa é conhecido por não pronunciar muitos arguidos quando as acusações são aparentemente sólidas, sendo acusado por muitos magistrados de se substituir ao papel dos juízes em fase de julgamento. Na fase de instrução deve ser ponderado se há indícios suficientes para levar os arguidos a julgamento mas Ivo Rosa é comentado por ir mais além e fazer da fase de instrução praticamente um julgamento.
A decisão que escandaliza o país - como se foi vendo ao longo da tarde de ontem, por exemplo nas redes sociais – vai agora ser alvo de recurso e dentro de um ou dois anos serão os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa a decidir quem vai a julgamento e por que crimes.
Rosário Teixeira fez este anúncio de recurso logo após o fim da leitura da decisão instrutória e entregou um requerimento a pedir 120 dias para avançar com o recurso.
Para já, José Sócrates vai a julgamento no processo Operação Marquês por branqueamento de capitais e por três crimes de falsificação de documentos, segundo a decisão instrutória lida pelo juiz Ivo Rosa, que afastou a corrupção passiva, por estar prescrita.
Será assim o primeiro ex-chefe do Governo português a ser julgado. Em causa, estão verbas de 1,72 milhões de euros entregues pelo empresário e alegado testa-de-ferro a Sócrates, que não configuram o crime de corrupção, por estar prescrito, mas implicam três crimes de branqueamento de capitais. Além do branqueamento de capitais, Sócrates e Santos Silva estão pronunciados por três crimes de falsificação de documentos. O juiz Ivo Rosa decidiu, no entanto, não pronunciar José Sócrates por crimes de fraude fiscal.
O ex-banqueiro Ricardo Salgado vai a julgamento por três crimes de abuso de confiança e o antigo administrador da Caixa Geral de Depósitos e ex-ministro Armando Vara foi pronunciado por um crime de branqueamento de capitais.
Dos 189 crimes que constavam na acusação da Operação Marquês, só 17 vão a julgamento, distribuídos por cinco dos 28 arguidos.


Decisões de Ivo Rosa têm sido revogadas pelo Tribunal da Relação de Lisboa com alguma frequência
Desde de que Ivo Rosa assumiu a instrução da Operação Marquês tem sido notícia muitas das suas decisões que vão sendo revogadas pelo Tribunal da Relação de Lisboa. Aconteceu, por exemplo, quando ordenou de destruição de emails de Paulo Lalanda Castro, ex-presidente da Octapharma Portugal. O Tribunal da Relação de Lisboa anulou essa decisão por não “ter apoio legal” e por ser extemporânea. Só no final do julgamento é que a destruição de provas pode ser avaliada, diz a Relação, citada pelo Observador. O mesmo jornal noticiou outra derrota no Tribunal da Relação de Lisboa, referente a um despacho do magistrado do Tribunal Central de Instrução Criminal que tinha anulado a constituição de arguido de Manuel Pinho, ex-ministro da Economia, e de Miguel Barreto, ex-director-geral da Energia por alegada violação dos seus direitos constitucionais. O Ministério Público (MP) recorreu e os desembargadores da Relação de Lisboa deram razão aos procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto.|



"Absolveu os réus e condenou a justiça"

Henrique Neto

“Era sabido que o juiz Ivo Rosa tem uma interpretação da lei que é sempre favorável aos réus. Eu já sabia isso, mas nunca previ que fosse tão favorável e que para justificar esse favorecimento recorresse a tantas formas que são contraditórias entre si, nomeadamente, ele utilizou quase sempre as opiniões e as declarações de um conjunto vasto de pessoas que sabemos são muito ligadas ao Partido Socialista. Ou seja, é perguntar ao bandido se cometeu um crime. É evidente que aquele conjunto vastíssimo de pessoas vai dizer que não. E usar isso revela uma certa intenção de descriminalizar as acusações.
Por outro lado, usa de uma forma não coerente, as datas como se elas, num caso de corrupção, pudessem ser medidas. Dizer que José Sócratesnão combinou com o Presidente Lula, no Brasil, porque só se reuniram numa certa data é um pouco absurdo porque quando duas pessoas querem fazer qualquer negócio ilícito não o vão fazer com se encontram em funções oficiais.
O juiz Ivo Rosa utilizou um conjunto de truques que eu acho que são dificilmente comestíveis pela opinião pública. Quanto à parte jurídica, o juiz Ivo Rosa absolveu os réus e condenou a justiça. Porquê? Porque toda a argumentação era para diminuir o Ministério Público. No fundo, é como se uma pessoa que não gosta de outra e tem que escrever sobre ela, a tenta destruir. Ou seja, aqui o juiz tentou destruir uma parte da justiça que é o Ministério Público. Com ou sem razão, veremos a opinião da Relação. É evidente que o Ministério Público evocou e pediu um prazo para apresentar a sua posição à Relação e isso vai acontecer dentro de 120 dias, que foi a data pedida. Depois a Relação terá outros 120 dias para decidir, provavelmente. Isto está muito longe de terminar, mas em qualquer caso, houve aqui um abismo entre dois juízes deste tribunal., este juiz Ivo Rosa e o juiz Carlos Alexandre. E a justiça não pode funcionar assim, quando no mesmo tribunal e perante os mesmos factos dois juízes têm posições tão contraditórias. Isto vai fazer com que haja uma reacção pública que não será muito útil do ponto de vista da justiça”.|

“Está em causa o crédito de confiança por parte dos cidadãos na Justiça e na República”

José Ribeiro e Castro

“Aquilo a que assistimos é um facto de extrema importância. É um dos factos mais importantes que já presenciei. Está em causa a credibilidade da Justiça. Está em causa o crédito de confiança por parte dos cidadãos na Justiça e na República.
No processo, este é o momento do Ministério Público, que naturalmente vai recorrer. Mas, cá fora, é também o momento de ouvirmos todos os responsáveis, sobretudo os líderes partidários e os deputados, que têm que nos falar com clareza sobre o que pensam e o que querem, porque o estado das leis e da justiça em última análise também depende muito da comunidade política. O que acaba de se passar, entre outras coisas, torna muito ridículo o debate que estava a ter-se sobre novas leis para combater a corrupção. Quem acredita em novas leis contra a corrupção no dia em que as vimos serem reduzidas a pó?
Aguardo naturalmente pelo desenvolvimento do processo. Só o processo pode falar pelo processo. Mas, para acreditar na decisão que ouvimos do juiz Ivo Rosa, eu teria de acreditar na teoria da cabala, isto é, que durante anos a fio, com toda a gente a ver o caso a desfiar-se, assistimos a puros actos persecutórios e a vilezas consecutivas por parte de responsáveis judiciários. Não acredito nisso.
Ainda temos que esperar pela verdade. O que se pede a todos os responsáveis, tanto no sistema de justiça, como no sistema político, com independência um do outro e ambos alto critério ético, é que salvem a justiça e, já agora, o país e o seu bem”.

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