São talvez as noites a pior parte das 24 horas de cada dia. Senta-se no banco direito da frente, recosta-o para trás até bater no banco de trás deixando-a numa posição o mais parecido com o horizontal possível, ajeita-se o melhor de que é capaz, fecha os olhos e tenta dormir. São noites sempre mal passadas, claro. Em branco ou muito perto disso. Não existe o conforto de uma cama a sério e há ainda o frio, o medo e os pensamentos negros – sem o corpo e a cabeça em paz, não consegue deixar-se transportar para um sono profundo.
Isilda Cardoso, de 52 anos, vive desde 8 de Outubro num carro – já lá vão 75 dias, feitos hoje. A sua minúscula casa de quatro rodas – um velho Toyota Starlet cinzento escuro, que já nem sequer trabalha – está estacionada junto ao portão principal do Cemitério Sul, a dois passos do centro de Aveiro. É uma zona pacata – às quatro da tarde de sexta-feira são poucas as pessoas ou os carros que lá passam. Vê-se uma mulher com um ramo de flores na mão a dirigir-se para o cemitério; um homem que estaciona a sua carrinha e parte para um qualquer destino ali perto; e pouco mais.
