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Ansiedade, sintomas depressivos e medo face ao futuro motivam pedidos de ajuda nas linhas do SNS


Quinta, 28 de Maio de 2020

Diário de Viseu - A actual pandemia de Covid-19 abalou profundamente as nossas vidas. A perturbação causada ao nível da saúde mental da população começa agora a vislumbrar-se e requer intervenção. Que papel tem, neste contexto, o Conselho Regional de Saúde Mental da Administração Regional de Saúde do Centro (ARSC)?
João Redondo - O Conselho Regional de Saúde Mental apresentou a 17 Março, à Administração Regional de Saúde do Centro, o seu Plano de Acção Covid-19. Neste documento, sinaliza um conjunto de recomendações para a definição das estratégias ao nível da prevenção e prestação de cuidados de saúde mental na nossa região. O plano reforça também, e no âmbito das respostas em saúde mental, a importância de se concentrarem os recursos disponíveis nas áreas mais vulneráveis e expostas aos efeitos da pandemia, acautelando níveis adequados de funcionamento e a manutenção de respostas essenciais a doentes com perturbação mental e suas famílias, assim como à população em geral e aos profissionais de saúde.

Que necessidades específicas foram detectadas?
 A presente pandemia alterou a dinâmica diária na vida das pessoas. O distanciamento espacial/social, a quebra da rotina diária habitual, o medo de ser contaminado e a incerteza relativamente ao futuro representam alguns dos factores que, sendo naturais na presente situação, potenciam situações de stresse, ansiedade e angústia e que têm levado pessoas a procurar ajuda junto de profissionais de saúde, habitualmente através do contacto telefónico, em centros de saúde, serviços locais de saúde mental, hospitais ou através de outras linhas de apoio. Na população em geral, alguns grupos podem ser mais vulneráveis ​​do que outros aos efeitos da pandemia, como é, por exemplo, o caso das pessoas que sofrem de problemas de saúde prévios e contraem a doença (Covid-19), necessitando em algumas situações de cuidados mais diferenciados, incluindo internamento hospitalar. Importa ainda ter presente as situações de violência no contexto familiar e lembrar que falamos de uma problemática marcada pelo silêncio das vítimas e pela invisibilidade do problema, “escondida” no confinamento.

Que respostas foram, entretanto, accionadas da vossa parte?
Em finais de Março a ARSC, através do Conselho Regional de Saúde Mental (CRSM), accionou o Gabinete Regional de Crise da Saúde Mental no sentido de reforçar e garantir, na região Centro, respostas específicas aos grupos mais vulneráveis e à população em geral, numa estratégia de integração dos cuidados em saúde mental articulada com outros parceiros da comunidade. Tendo presente a importância de prevenir a disseminação do vírus e proteger os mais vulneráveis, foram necessários ajustamentos relativamente ao funcionamento habitual dos serviços de Saúde Mental. Houve uma diminuição de consultas presenciais, com o recurso a tele-consultas e disponibilização a utentes e seus familiares dos contactos dos serviços; a rotatividade dos profissionais para minimizar o risco de contágio; reforço da consultoria aos cuidados de saúde primários e a serviços locais de Saúde Mental; a disponibilização de espaços de apoio a profissionais de saúde, de acesso fácil e confidencialidade garantida; e foram organizadas linhas telefónicas dirigidas à população em geral que ajudam a indicar ao utente a eventual pertinência de recurso à rede de centros de saúde e/ou à rede de serviços de saúde mental, e não apenas aos serviços de urgência.


Que motivos levam as pessoas, dos mais jovens aos seniores, a utilizarem essas linhas de apoio?
Na nossa região, entre os motivos mais frequentemente associados ao contacto da população em geral com as linhas de apoio do SNS, são de registar, nos adultos, e de uma forma geral, a ansiedade, a dificuldade em lidar com a pandemia, com o confinamento, o medo face ao futuro, preocupações com a família e com o emprego, problemas económicos. Da parte da população mais idosa, são mais frequentes as queixas face ao isolamento, o luto, dificuldades de conciliar o sono, verificando-se o agravamento de sintomatologia prévia, como a depressão e a ansiedade, devido à pandemia. Nos adolescentes imperam os medos de infecção pelo coronavírus, sendo também frequentes as crises de ansiedade e de sintomas depressivos associados a pais e familiares infectados. E não esqueçamos os profissionais de saúde, fundamentalmente os responsáveis por prestar cuidados a doentes com pneumonia Covid-19 ou suspeitos de estar infectados - têm maior risco de infecção e de experienciarem o medo do contágio e de disseminação do vírus junto das suas famílias, amigos e colegas.

Quais os motivos que levam os profissionais de saúde a pedir ajuda?
Entre os motivos que mais frequentemente estão associados ao contacto com as linhas de apoio aos profissionais de saúde do SNS, são de registar a ansiedade sentida perante as dificuldades em lidar com a situação, há também a dificuldade em conciliar o sono, queixas de cansaço físico e psicológico, stresse laboral, expressão emocional, preocupação com a família, medo de se contagiar e depois contagiar a família. Estas linhas de apoio, assim como as destinadas a consultoria, foram divulgadas internamente.

Concretamente, que linhas já foram criadas na região Centro e que profissionais as integram?
No SNS, na região Centro, foram criadas várias linhas, iniciativas dos serviços locais de Saúde Mental e dos Cuidados de Saúde Primários, a que as pessoas poderão ter acesso no site da ARS Centro, na página de abertura da mesma em “COVID 19 e Saúde Mental – Contactos das Linhas de Apoio dos Serviços de Saúde Mental e dos Cuidados de Saúde Primários” (www.arscentro.min-saude.pt/).
Os profissionais que integram esta linhas são na sua maioria psiquiatras, pedopsiquiatras e psicólogo(a)s. Relativamente à problemática das adições (álcool e/ou drogas ilícitas) e aos riscos associados no âmbito do Covid 19, poderão no mes­mo site ter acesso aos contactos do Departamento de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências. E na área da violência no contexto familiar importa ter em atenção os apoios existentes a nível regional/nacional (Portal da Violência Doméstica), e lembrar que os profissionais de saúde estão numa posição privilegiada para identificar e apoiar as vítimas deste tipo de violência, incluindo a sua referenciação para sectores e serviços específicos na área da saúde, do judicial e outros.
Atendendo à disfuncionalidade/violência no contexto de algumas famílias e ao facto da população infanto-juvenil ser especialmente vulnerável do ponto de vista da saúde mental a esta problemática, estão referenciadas online (em www. cnpdpcj.gov.pt) todas as Comissões de Proteção de Crianças e Jovens – CPCJ da nossa região (e a nível nacional).

O que falta ainda fazer, sobretudo na articulação entre os vários serviços e parceiros?
Esta súbita pandemia que vivemos obrigou-nos a repensar a organização dos cuidados, assim como os nossos papéis profissionais. Ao poder institucional cabe investir na criação de condições que acompanhem esta mudança, de modo a permitir aos profissionais de saúde e às equipas uma melhor resposta a quem precisa de cuidados. É necessário colocar ao serviço do SNS as novas plataformas tecnológicas, cuja utilização tem sido amplamente adoptada nas soluções de tele-trabalho e de comunicação. Importa, também, reforçar a comunicação entre os profissionais dos cuidados de saúde primários e dos serviços locais de Saúde Mental, incluindo, entre outros, aspectos relacionados com a consultoria, a referenciação e o uso regular da tele-saúde. Neste domínio, as equipas comunitárias de saúde mental em actividade na região Centro podem ter um papel reforçado no seu âmbito de actuação. O impacto da doença mental na saúde do doente exige, por vezes, para além da dimensão clínica, a intervenção de outros sectores da comunidade. É também tempo de as respostas em saúde se associarem a uma dinâmica de auto ajuste recíproco.

Os incêndios de 2017 terão tido, neste sentido, um efeito sensibilizador. Qual é a sua opinião sobre a actuação das câmaras municipais em matéria de saúde mental?
 Os incêndios de 2017, pelo impacto que tiveram na vida dos portugueses, obrigaram sem dúvida, entre múltiplos aspectos, a repensar a organização da resposta em saúde mental e o papel dos vários interventores. É na sequência desta catástrofe que é criado o despacho onde assenta o Gabinete de Crise da Saúde Mental e a integração da resposta em saúde mental que lhe está associada. Os efeitos desta pandemia têm semelhanças, mas também muitas diferenças, relativamente à questão dos incêndios.
O CRSM já contactou os vários municípios da região Centro, visando conhecer as respostas de cada um deles no âmbito da presente crise, sendo de registar a existência de um leque amplo de respostas específicas, abrangendo múltiplas estratégias para diferentes grupos vulneráveis. Tendo em conta os recursos existentes nos municípios - assim como em outros sectores da comunidade, ao nível do público, do social e do privado - e partindo de uma perspectiva de Saúde Pública e de trabalho em rede, importa investir ao nível da prevenção na população em geral, de modo a dispormos de uma maior capacidade para minimizar factores de risco, promover factores protectores e potenciar a resiliência das comunidades.

Que outras medidas destacaria deste plano do Conselho Regional de Saúde Mental?
No âmbito do plano de acção COVID-19, sublinha-se a importância de continuar a investir na coesão e integridade das equipas de profissionais dos serviços locais de Saúde Mental e cuidados de saúde primários, com vista a manutenção da capacidade de resposta aos desafios impostos pela crise pandémica. Assegurar o acompanhamento regular de doentes com doença mental grave, limitando as situações de incumprimento terapêutico e de risco de descompensação clínica, acompanhar doentes com outras perturbações mentais (depressão/ansiedade) agravadas pelo contexto de crise pandémica, isolamento e deterioração económica, passíveis de sobrecarregar os cuidados de saúde primários e os serviços de urgência hospitalares são outras áreas de intervenção prioritária. É preciso apoiar outros grupos especialmente vulneráveis (idosos com fraca rede de suporte, sem-abrigo, crianças e jovens com perturbações do desenvolvimento, toxicodependentes), prevenindo o recurso desorganizado ao serviço de urgência ou outras respostas de saúde; investir na prevenção da agudização do fenómeno da violência familiar/por parceiro íntimo; potenciar as respostas já existentes de apoio a crianças e jovens, particularmente de grupos vulneráveis associados à pandemia (óbitos de familiares directos, situações de internamento, isolamento ou quarentena) e vítimas de violência no contexto familiar, entre outros. Queremos manter as linhas de apoio entretanto criadas e o nível da consultoria cuidados de saúde primários/serviços locais de saúde mental, promover o trabalho em rede e, finalmente, manter o investimento na disseminação da informação, nomeadamente a relativa aos contactos/linhas de apoio e a associada às diferentes iniciativas abrangidas pelo plano do CRSM. 

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