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Simular “abraço apertadinho” para resistir à vontade de “esborrachar”


Quarta, 20 de Maio de 2020

Pé ante pé, sem pressa, Lurdes Santos subiu ao 1.º andar. Foi ali que aguardou, no exterior, instruções para entrar. A higienização entre visitas estava a ser concluída. Chegou serena, mas, num ápice, tudo se alterou. Assim que colocou os olhos na mãe, emocionou-se. As lágrimas surgiram de rompante. «Estava ansiosa por este bocadinho», afirmou, antes mesmo de reconhecer que «o mais difícil é não poder tocar».
De sorriso na cara, bem-disposta e sentada numa cadeira de rodas, Conceição Vilão, de 86 anos, já estava à espera da filha única na “nova” sala de visitas da Estrutura Residencial para Pessoas Idosas (ERPI) do Centro Social de S. João, em Pé de Cão. Um espaço improvisado para garantir que os visitantes não entram no lar, de forma a manter a máxima segurança dos utentes numa fase em que a pandemia Covid-19 ainda a todos assusta.
Assim que a autorização chegou, Lurdes entrou e simulou um «abraço apertadinho». A emoção tomou conta de mãe e filha. «Não podemos abraçar-nos, mas já estou a vê-la e é muito bom», soltou Conceição, enquanto, à distância certa, Lurdes já se preparava para se sentar na poltrona colocada num hall de entrada transformado em sala de visitas.

“O mais difícil é não poder abraçar”
«Já não falávamos assim há dois meses», assinalou, tranquilamente, Conceição, utente da ERPI do Centro Social de S. João há cinco anos. «O mais difícil é não poder abraçar, não poder agarrar-lhe a mão, não poder estar junto a ela», resumiu Lurdes, que, por mais que uma vez, utilizou as palavras «muito complicado».
Durante o período em que os lares foram resguardados, devido ao elevado número de mortes registadas em estruturas do género um pouco por todo o país, Lurdes não ficou privada de ver a mãe. «Consegui vê-la através do vidro, à varanda e ao telefone, mas está muito surda», transmitiu, com um sorriso no olhar, a filha, entretanto interrompida pelos elogios da progenitora. «Aqui, é tudo gente boa. Andam sempre bem-dispostas», garantiu Conceição.

“Assim que puder ser, quero ir a casa”
Maria Inês Loureiro e Manuela Veríssimo também são mãe e filha. A ERPI do Centro Social de S. João é, há cinco anos, a casa da progenitora de 88 anos. «Tinha bastantes saudades. Só me apetecia esborrachá-la, mas não posso», referiu Maria Inês, que aproveitou, então, para fazer um pedido. «Assim que puder ser, quero ir a casa», solicitou, com Daniela Braz, directora técnica da ERPI, que acompanhou a visita, a dizer que «vai ter de esperar mais um tempinho». No final da visita da filha, Maria Inês ainda veio à varanda cumprimentar o genro Jorge Veríssimo, que aguardava na zona do jardim.
Depois de Maria Inês ter transmitido que, na ERPI do Centro Social de S. João, é «muito bem tratada por todos», Manuela lembrou que, durante o período de isolamento, foi vendo a mãe «na varanda». «Eu cá em baixo e ela lá em cima. Foi muito doloroso», recordou, antes mesmo de assumir que «não dava para aguentar mais esta dor». «Estas visitas são muito boas, apesar de o afastamento físico continuar a ser a maior dificuldade. Sempre dá para amenizar a saudade», expressou.
Ao longo de «dois meses e meio», a proximidade entre utentes e familiares foi bastante limitada, com o afastamento a entrar no dia-a-dia dos lares. «Mesmo sem abraços, assim é muito mais fácil, muito mais humano», referiu Manuela, agradecendo a «eficiência» do lar no período de isolamento. «Não faltou nada à minha mãe, nesta que é a sua segunda casa», realçou Manuela, que, de pronto, referiu a importância de «ter todos os cuidados» nos dias de visita à mãe.


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