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“O teatro é uma arte que sempre tem renascido, mesmo em épocas difíceis”


José Alberto Lopes Sexta, 15 de Maio de 2020


Entrevista Pompeu José, actor, encenador e dramaturgo, fala-nos dos projectos da ACERT ainda para este ano e das dificuldades provocadas pela pandemia


Como "sobrevive" um actor numa altura de pandemia em que não pode estar em contacto com o público?
Como todos os outros, acho eu. Com muito sofrimento. Mas com a pandemia estamos todos privados de algo essencial, o convívio, os afectos. Para um actor é lógico que assusta muito não poder comunicar com o público mas é um ponto particular num cenário muito mais global e que colocou os seres humanos numa fragilidade que nos obriga a reflectir sobre a nossa existência e a maneira co-mo queremos continuar a viver.

Receia que até ao surgimento de uma vacina o panorama em termos de espectáculos artísticos possa estar seriamente comprometido?
Tudo está seriamente comprometido. No entanto o teatro é uma arte que sempre tem renascido mesmo em épocas e situações catastróficas. Também agora irá renascer seguramente. O teatro tem de continuar a ser a concretização dos sonhos, o grito abafado do desespero, a gargalhada que rompe o silêncio.

A associação vive muito da sua interacção com as suas semelhantes, com a cidade e a região. Tendo em conta as medidas de distanciamento social e de proibição de ajuntamentos com mais de 10 pessoas, de que forma poderá a ACERT reinventar-se?
Em primeiro lugar, organizando as apresentações públicas dos espectáculos com toda a segurança, e depois criando, com a inventiva que caracteriza a ACERT, um plano de acção onde o teatro e todas as outras áreas artísticas consigam chegar junto do público, continuando a proporcionar que todos possam usufruir desse bem essencial que é a cultura.

A ACERT ia estrear, no Dia Mundial do Teatro, 27 de Março, o espectáculo "Ter-ra", terceiro trabalho da trilogia associada aos incêndios de Outubro de 2017. Poderá ser este o espectáculo de regresso ao activo?
Vai ser esse o espectáculo de regresso ao activo, sim. E com a estranha coincidência de fazer parte da trilogia, “Fogo”, “Água”, “Terra”, que teve início com o “Fogo”, um espectáculo criado após os incêndios de Outubro de 2017, para reflectir ironicamente sobre o flagelo e circular pelas zonas mais atingidas. Depois o “Água”, um espectáculo sobre o desequilíbrio ecológico provocado pelo ser humano ao seu planeta que é constituído por dois terços de água. Agora será o “Terra”, que não foi pensado com essa intenção, mas que nos vai fazer reflectir irónica e metaforicamente sobre este outro flagelo que assolou o nosso planeta, a “terra”, atacando de forma global um dos seus habitantes, o ser humano.

A associação recebeu ou tem recebido algum apoio nestes dois meses de inactividade?
A ACERT é uma estrutura financiada pela Dgartes – Direcção Geral das Artes e pela Câmara Municipal de Tondela e felizmente, ambas mantiveram o apoio durante este período, não um apoio especial mas o apoio que estava previsto.

Que projectos tem a ACERT reservados ainda para este ano?
Para além do plano de acção de que falei, mais local e regional, vai organizar a circulação dos espectáculos do Trigo Lim-po Teatro Acert, dentro dos condicionalismos existentes, e preparar o espectáculo de teatro de rua “A Passarola”, em parceria com a Fundação José Saramago e criado a partir do “Memorial do Convento” de José Saramago. Infelizmente não o podemos estrear este ano, inclusive porque é um espectáculo de participação comunitária, mas faremos uma antevisão do mesmo antes do final do ano, no Auditório 1 do Novo Ciclo Acert. Estrearemos na rua, em 2021, celebrando festivamente o 45.º aniversário da ACERT.

O que ambiciona ainda poder fazer, como actor, dramaturgo e encenador, na sua carreira profissional?
Continuar a fazer o que gosto, até ao “fim”… Cada vez melhor, com mais prazer e como se fosse sempre a primeira vez. E que tudo isso passe para quem assiste, para quem participa. Porque o teatro não é só o produto final é também o processo de construção. Todo esse trabalho colectivo de criação e partilha. E que ganha sentido depois, frente ao público, nesse momento único e efémero em que o teatro existe.


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