Jornal defensor da valorização de Aveiro e da Região das Beiras
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Adriano Callé Lucas

Mãos que cuidam dos que não têm o que comer sem esperar nada em troca


Quarta, 13 de Maio de 2020

Sónia Morgado

«É impossível dizer que não quando nos pedem comida porque quando o fazem é porque já faltou tudo o resto». Foi com estas palavras, próprias de quem está nesta casa com um verdadeiro espírito de missão, que Ana Cristóvão, directora técnica da Associação das Cozinhas Económicas Rainha Santa Isabel (ACERSI) nos recebeu.
Amélia (nome fictício) procura ajuda desta Associação desde Março, altura em que ficou sem o pouco rendimento que obtinha das horas de limpeza num espaço de restauração, que entretanto encerrou. Sem dinheiro, e sem a ajuda da mãe, com quem viveu até Novembro do ano passado, disse ter passado duas semanas sem comer. Agora, tem ajuda alimentar da ACERSI, a Junta de Freguesia apoia no pagamento da renda da casa e aguarda que lhe seja atribuído o rendimento social de inserção ou a reforma. Tem 65 anos e é asmática. Questionada sobre a família disse, com tristeza, que a mãe faleceu, não tem filhos e que o irmão recusou ajuda.
António, de 60 anos, esperava desde as 10 manhã pela refeição do meio-dia. «Já venho aqui há seis anos, duas vezes por dia» afirma, explicando que, na altura, ficou sem trabalho, sem casa e teve de procurar auxílio. Entretanto, conseguiu arrendar um quarto na Conchada e tem vindo a realizar diversas formações, todas na área da saúde. Com a sua idade, não acredita ser ainda possível arranjar trabalho mas confessa manter o gosto de cuidar dos outros.
Habituada a prestar auxílio e servir refeições aos mais desfavorecidos e desprotegidos, a equipa da ACERSI viu as rotinas alteradas há dois meses “por culpa” da Covid-19, com um maior número de pessoas a acorrer a esta ajuda. As refeições, que até há pouco tempo eram servidas no refeitório social, agora são entregues devidamente acondicionadas e à porta, em “take-away”, para evitar risco de contágio. Foi a forma encontrada para manter um bem tão necessário para tantos. Funcionando em articulação com diversos serviços (como Junta de Freguesia, Segurança Social ou Câmara Municipal), a esta casa chegam os que se encontram numa situação de carência económica e alimentar. E hoje são muitos os que precisam desta ajuda, de várias faixas etárias, como famílias com filhos em que pai e mãe perderam emprego, ou até mesmo imigrantes que, com o surto pandémico, ficaram sem trabalho, e sem qualquer suporte social ou familiar. São pessoas que esperavam pelo rendimento no final do mês para pagar as contas e que de um momento para o outro ficaram “sem chão”.
«Neste momento apoiamos no refeitório social mais de 500 pessoas, um aumento de 20% desde Janeiro» afiança a responsável. São mais de 800 as refeições que, duas vezes ao dia, saem da Associação aconchegando o estômago dos que têm nestes dois momentos as únicas refeições do dia, acompanhada de água, um bem igualmente essencial e escasso para muitos.
Esta nova forma de apoio social vai manter-se, pelo menos até ao final do mês, com Ana Cristóvão a avançar que, nesta fase de desconfinamento, são também necessárias novas medidas para estabilização da vida das pessoas, sobretudo das famílias, no sentido de lhes ser dada, entre outras coisas, a oportunidade de cozinhar em casa «evitando a sua exposição». 




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