Jornal defensor da valorização de Aveiro e da Região das Beiras
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A vida de um casal de bombeiros na linha da frente do combate


Quarta, 22 de Abril de 2020

«Não lhe damos um beijo, não temos proximidade e quando ele está usamos máscara. Fazemos a refeição à mesa, mas com o Tomás longe de nós». A explicação é de Marlene Bandeira, bombeira voluntária da corporação de Góis, que na última semana esteve sempre de serviço no quartel da vila, lon­ge do marido, bombeiro sapador em Coimbra, e do filho.
Este afastamento social é “imposto” pelo novo coronavírus, que obriga a cuidados reforçados a todos os que lidam com potenciais infectados. E os bombeiros são quem, muitas vezes, tem o primeiro contacto com alguém doente. Foi também esta pandemia que obrigou o casal, Marlene e Luís, a estar tanto tempo sem ver o filho. «Quando estamos de serviço no quartel o Tomás acaba sempre por nos vir visitar, mas agora isso não é possível. Há que ter muitos cuidados», afirma.
Nos Bombeiros Sapadores de Coimbra está Luís Pichel. Também ele enfrenta esta nova realidade. «Isto é tudo uma novidade, pois nunca estive tanto tempo sem ir a casa. Também nunca andei de máscara em casa, como agora, que deixo a roupa à porta e desinfecto tudo».
«É muito estranho», resume Marlene referindo-se a estes novos tempos e desafios que surgem a cada dia. Mas não perde a esperança e acredita que tudo irá rapidamente voltar ao normal. Voluntária na corporação de Góis há 22 anos, a advogada aproveita o tempo livre para ir trabalhando. O mundo parou parcialmente, mas processos urgentes continuam a correr nos tribunais. «Trouxe o computador e vou fazendo o que é possível, trabalhando na plataforma da Justiça. Os meus colegas da corporação dão um suporte fundamental e a minha colega de escritório também vai dando uma ajuda», esclareceu.
As novas tecnologias vão atenuando as saudades da família. O pequeno Tomás, que por ser diabético está no grupo de risco da Covid-19, está sempre em contacto com os pais. No 5.º ano de escolaridade esteve com a tia na última semana, que o auxiliou nos trabalhos da escola. «Quando falo com ele pergunta-me sempre se está tudo bem e fica orgulhoso de estar a ajudar os outros», afirmou a mãe, também ela orgulhosa do seu filho, que habituado a fardas e sirenes já diz que quer seguir as pisadas do pai.
«Não temos abraços e beijinhos mas sei que vamos recuperar isso tudo. Agora é o tempo de todos nos protegermos. Depois, irá haver tempo para o resto!».
Bombeiro de profissão, Luís Pichel fala deste vírus como «a situação mais desafiante». «Nas outras situações temos protocolos de actuação e até mesmo as mais recentes, como o Leslie ou as cheias, trouxeram desafios, mas nada como a Covid-
-19. Do início até agora os procedimentos foram diferenciados, para termos a máxima protecção. Temos de lidar com todas as pessoas como se fossem suspeitas. Para o bem de todos», adverte.

Mudança de
comportamentos
e de encarar a vida
No fim-de-semana, Marlene despiu a farda e foi para casa, para junto dos seus. Completaram-se os dias de isolamento, que foram muitos, mas com muito carinho. Não é de estranhar, por isso, que as manifestações de afecto se multipliquem. Por vezes com a simples oferta de uma sobremesa a quem, nestes dias, fez do quartel a sua casa.
Para Luís Pichel, esta vivência vai certamente alterar a forma de ver a vida. «Para já, não estamos a perceber o quanto importante é isto. Na maioria dos casos está a mudar muito as nossas vidas. Há valores que as pessoas tinham perdido e estão a recuperar. A nível profissional, por exemplo, cria-se uma união diferente».
O que não muda é o amor pela família e pelos filhos. Por isso e sabendo que o pequeno Tomás tem «um grande orgulho pelo facto de os pais serem bombeiros», cresce o desejo que regresse a normalidade, onde há sempre perigo, mas um perigo diferente. Quando isso acontecer, pai e filho vão voltar a dar uns chutos na bola, sem receios e sem máscaras.
Marlene, que se sente «completamente realizada» a ajudar os outros, acredita que quan­do tudo isto passar, certamente se vai dar mais importância à natureza. E o que vai fazer com o filho? «Vamos para a praia rebolar na areia», responde sem hesitar


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