Jornal defensor da valorização de Aveiro e da Região das Beiras
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Adriano Lucas (1925-2011)
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Adriano Callé Lucas

CIP exige medidas “exigentes, urgentes e com maior dimensão”


Quinta, 16 de Abril de 2020

Diário de Viseu: Como vê a situação das empresas nacionais perante esta crise pandémica?
António Saraiva: Obviamen­te, a situação em que se encontra a grande maioria das empresas é altamente preocupan­te. Tendo em conta que a maior parte das Pequenas e Médias Empresas (PME) não tem liquidez para aguentar mais de um mês sem entrada de receitas, a questão que se coloca é: quantas PME de inúmeros sectores de atividade, encerradas total ou parcialmente, por imposição legal, pela ausência de trabalhadores ou simplesmente por falta de procura ou de abastecimento, irão resistir?

As empresas terão a resiliência necessária para se reerguer, quando acabaram de recuperar de uma crise económica que durou alguns anos?
As empresas que sobreviveram à última crise mostraram, e mos­tram, resiliência. Mas há limites para além dos quais é difícil aguentar. Por isso, o grande objectivo das políticas públicas, a par da salvaguarda da saúde pública, tem de ser o de garantir que o maior número possível de empresas sobrevive às difi­cul­dades actuais e mantém a sua capacidade para impulsionar a recuperação quando as restrições forem levantadas.

Em 2019, Portugal bateu recorde de criação de novas empresas (aumentou 6,4 por cento face a 2018). Co­mo perspectiva 2020 neste aspecto? Baterá o recorde de mais empresas a encerrar actividade?
Temo que, se não forem tomadas medidas exigentes, urgentes e com uma dimensão muito superior à que estamos a assistir, seja esse o cenário provável.

No início do mês, a CIP elaborou e entregou ao Gover­no e ao Presidente da República um Plano Extraordinário de Suporte à Economia Portuguesa para fazer face à actual crise pandémica. Em que aspecto ajudam a retomar a economia?
O plano que a CIP apresentou visa garantir a manutenção dos postos de trabalho e criar os mecanismos para que as empresas possam retomar a actividade logo que possível. Pretendemos alterar o paradigma face às medidas que têm vindo a ser anunciadas. De facto, com a excepção do “lay-off” simplificado, todas as medidas têm em comum o facto de implicarem ou o aumento do endividamento, ou encargos mais pesados num futuro relativamente próximo. Ora as empresas não precisam de mais endividamento, mas antes de tesouraria que lhes permita fazer face aos compromissos no curto prazo, recuperar no médio prazo e manter os empregos em termos duradouros. Há que inovar na injecção directa de fundos nas empresas, para que possam subsistir e manter empregos.

Quais as medidas propostas?
O plano que a CIP apresentou articula-se em sete grandes medidas: conversão das garantias de Estado em incentivos a fundo perdido; negociação com o Fundo Europeu de Investimento (FEI) e Banco Europeu de Investimento (BEI) de Garantias de Carteira para o país e o seu sistema financeiro; atribuição de benefícios fiscais que possam ser antecipados através do sistema financeiro; atribuição de garantias de Estado à COSEC [Companhia de Seguro de Créditos] para manter a actividade económica de exportação e importação, garantindo a sua actividade normal através de seguros de crédito; implementação de um prazo de pagamentos “a pron­to” em toda a administração pública; e agilização de pagamentos entre as empresas.É um plano exigente do ponto de vista orçamental. Mas não tenho qualquer dúvida que é mais saudável fazer, agora, um esforço para sustentar a actividade económica, do que colocar as finanças públicas, a prazo, a pagar mais subsídios de desemprego e com uma base tributária mais débil.

O Governo tem anunciado uma série de medidas de apoio às empresas, incluindo o acesso a linhas de crédito. Esta medida, em concreto, pode aliviar as empresas no imediato mas agravar a sua situação financeira no futuro, como apontam muitos empresários?
Como disse, as empresas não precisam de mais endividamento. As linhas de crédito são uma primeira medida de emergência, mas têm esse grande inconveniente. Daí a medida que a CIP propôs: a conversão, ao longo dos próximos quatro anos, das garantias associadas a essas linhas de crédito em incentivos a fundo perdido para as pequenas e médias empresas que mantenham a actividade económica e garantam a manutenção do emprego.

Que papel deve ter a União Europeia em todo este contexto? Na sua opinião, mostra-se preocupada e solidária para com todos os seus Estados-membros?
A Comissão Europeia está a fazer o que pode, ao nível da suspensão ou flexibilização de regra que poderiam dificultar a resposta dos Estados-membros. Com um orçamento de um por cento do PIB da União Europeia, os recursos que gere são diminutos face à dimensão do problema. O Banco Central Europeu (BCE) está a responder com eficácia. Prova-o o facto das taxas de juro, no caso português, não terem ido além de um por cento nos mercados financeiros internacionais. Mas não basta esta actuação isolada do BCE para garantir que os países europeus - e particularmente os mais vulneráveis, como Portugal - podem res­pon­der a esta crise com força suficiente. É preciso que os Estados se apoiem reciprocamente, partilhando riscos, não deixando margem para que os mercados tomem como alvo os elos mais fracos. Isso implica novos instrumentos que, até agora, alguns (poucos) líderes se recusam a aceitar, travando a actuação conjunta de todos os outros. Até que isso seja conseguido, a União Europeia não será capaz de mostrar que é, de facto, um projecto capaz de acrescentar uma mais-valia aos esforços desenvolvidos por ca­da Estado-membro. Nem sequer é de solidariedade que estamos a falar, mas de vontade de juntar forças para responder em conjunto a um problema comum.

O que será urgente fazer nesta altura de crise pandémica e no início da fase pós-COVID-19?
Salvar as empresas para preservar o emprego.

Portugal começava a reduzir a sua taxa de desemprego. Acha que é possível, actualmente, manter a maioria dos postos de trabalho e combater o desemprego?
Mais que possível, é essencial combater o desemprego. Não por decreto, mas salvando as empresas.

Há algum sector que sairá mais prejudicado?
Sem dúvida que os sectores ligados ao turismo e todos os que foram obrigados a encerrar ou suspender temporariamente a sua actividade estão entre os mais prejudicados.

Que mensagem/conselhos deixa aos empresários?
Uma mensagem de solidarie­da­­de, de coragem e de persis­tên­­cia, contra a adversida­de. Não desistirei, co­mo líder da maior e mais repre­sen­tativa confederação de empregadores, de defender os seus in­te­resses. Peço a todos os em­pre­­sá­rios a coragem de resistirem.


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