Jornal defensor da valorização de Aveiro e da Região das Beiras
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Adriano Lucas (1925-2011)
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Adriano Callé Lucas

Não, não houve pico de infectados! E como saber por si mesmo sem ouvir telejornais


Domingo, 12 de Abril de 2020

Mereceu grande destaque na comunicação social a reunião, à porta fechada, no Infarmed, entre a classe política e as autoridades sanitárias, na qual terá sido afirmado que o “pico” poderia ter ocorrido em Março passado. Esta afirmação, de paternidade nunca assumida, foi dada em todos os telejornais em cambiantes ligeiramente diferentes: poderia ter sido na
semana de 23 a 27 de Março, no dia 26 de Março ou em “finais de Março”. O Expresso noticiava à noite 26 de Março, tendo entretanto alterado para “finais de Março”. 
Vou supor, em todo este artigo, que esta afirmação se refere ao pico de infectados activos, que é a variável relevante dos modelos epidemiológicos do tipo SIR e em termos práticos é a que realmente nos interessa como cidadãos: é o número de doentes que hoje têm a doença e estão contagiosos. E reafirmo que, como sempre fiz, os meus cálculos têm por base exclusiva os Boletins da DGS, que sempre tomo como bons.
Será então verdade que o pico desta curva foi atingido em Março? 
A resposta é o mais rotundo “NÃO!”.
Não sei de onde surgiu a afirmação fantasiosa de que o pico de infectados activos, que são os contagiosos, já teria sido atingido. Qualquer pessoa que faça modelação, como a minha equipa, ou mes­mo que faça um simples “fit” aos dados, como há tantos cidadãos a fazer, sabe que a curva dos infectados activos passou o ponto de inflexão, deixando a fase exponencial, em 31 de Março-1 de Abril, e está agora na fase sigmóide de subida para o pico. A manterem-se os parâmetros actuais, este será atingido nunca antes da segunda quinzena de Abril, mais provavelmente para o final do mês. 
Dizer que houve um pico de infectados em Março é não apenas uma afirmação errada como, na minha opinião, extremamente perigosa, pois induz em erro, transmitindo uma falsa sensação de segurança e a um eventual relaxamento no cumprimento das medidas de contenção. Estamos em plena subida para o pico dos infectados activos, ou numa palavra contagiosos, que é a altura mais perigosa do surto. 
É muito fácil compreender que é errada. O leitor pode detectar no conforto de sua casa quando é atingido o pico no número de infectados activos da forma que vou explicar. O número de infectados activos em cada instante é o número de novos infectados, ou casos confirmados (C), surgido de um dia para o outro, subtraído do número de casos de doentes entretanto removidos (R), que são os recuperados mais os óbitos. 
Portanto, a receita para calcular o número de novos infectados activos a partir dos Boletins da DGS é muito simples: sendo os números que aparecem nos Boletins os totais acumulados, basta comparar Boletins da DGS de dois dias consecutivos e fazer as diferenças para saber os números de novos casos, novos recuperados e novos óbitos de um dia para o outro. Basta fazer três contas de subtrair. 
Calculamos o número de novos infectados fazendo a diferença entre os casos confirmados (NC) de um dia e os do dia anterior; calculamos o número de novos recuperados (NR) e de novos óbitos (NO) da mesma forma. E agora fazemos a diferença, para calcular o número de novos infectados activos: NA= NC – (NR+NO). Enquanto este número for positivo, ainda estamos a crescer em direcção ao pico, pois o saldo é positivo. Quando este número passar a negativo, passámos o pico, passando a ter cada vez menos infectados activos. O mais provável é que esta transição não seja brusca, num só dia, e que quando estivermos a passar pelo pico este número tenha pequenas flutuações diárias entre positivo e negativo – o famoso “planalto” de que fala a DGS. 
Mas, que não haja dúvidas: ainda estamos muito longe dele! 
Dou um exemplo destes cálculos com as contas relativas aos números de dia 10/4 (note-se que os dados do Boletim de cada dia são sempre relativos ao dia anterior). Os Boletins diários estão disponíveis no site da DGS, em https://covid19. min-saude.pt/relatorio-de-situacao/. Neles podemos verificar que, no Boletim de 10/4/2020, havia os acumulados de 15.472 confirmados, 233 recuperados e 435 óbitos. No de hoje, 11/4/2020, há o acumulado de 15.987 confirmados, 266 recuperados e 470 óbitos. Portanto NC = 515, NR = 33, e NO = 35. Consequentemente, o número de casos activos teve a variação NA = 515 - (33+35) = 447.  Há mais 447 casos activos do que ontem. Contra factos não há argumentos: estamos a subir a montanha dos infectados em direcção ao pico, que ainda está longe. Atenção: o pico não está fixo, as curvas não estão predeterminadas, sendo função dos resultados diários. Assim, a distância pode aumentar, como aconteceu no dia 10/4. 
Esqueçamos afirmações vagas e enganadoras: a partir de hoje cada um de nós pode fazer as contas no conforto do lar, por si próprio, a partir dos boletins da DGS, e extrair a conclusão sobre o que está na realidade a acontecer, sem ler jornais ou ouvir telejornais. E ter a certeza de quando é atingido o pico, e ver quanto tempo ficaremos no planalto, e verificar quando a curva começa a descer, e a que ritmo essa descida se dará. Mas isto ainda está tudo no futuro: nunca acontecerá antes da segunda quinzena de Abril, e apenas se mantivermos a nossa disciplina colectiva como até aqui.  
A afirmação de que teríamos atingido o pico, além de errada, parece-me extremamente perigosa, pois induz uma falsa sensação de segurança na população, levando-a a pensar erradamente que “já conseguimos”, afrouxando os comportamentos que tão bons resultados têm dado, alterando os parâmetros e pondo em risco a evolução futura das curvas. E, isso, numa altura como a Páscoa, transmite todos os sinais errados à população. Esta é a altura mais perigosa até agora, em que há mais contagiados invisíveis no seio da população.
Cálculos efectuados por métodos do Imperial College e da Universidade de Sevilha permitem-me estimar que hoje existem entre 182.000 e 338.000 contagiosos, muitos deles sem o saberem, na população geral. E este número vai continuar a aumentar até ao pico. 
Pessoalmente, estou muito desiludido com a falta de rigor com que este assunto está a ser tratado pelas autoridades e pela comunicação social. Afirmações erradas como esta lançam falsas expectativas para consumo geral, induzindo comportamentos de maior descontracção que podem colocar tudo em risco para todos. Para que o sacrifício de todos nós compense é necessário que toda a informação seja rigorosa e passe a ser comunicada com as maiores transparência e clareza.|

*Grupo do Facebook:
“Coronavírus; factos a partir
de números”
(https://www.facebook.com /groups/888326971618164/)  


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